terça-feira, 25 de novembro de 2008

Senso Crítico

“Bom, vamos começar... Hoje almocei com minhas amigas veteranas de Vida Urgente. Comemos bife à parmegiana e batatas fritas. Estava bom. Eu gostei de como comecei mais um dia de trabalho.”

Mas isso não interessa para vocês, não é?
Tenho certeza que muitos querem saber como estou, se tudo está bem. Só que esses vêm e me perguntam, obtendo resposta quase imediata, sem muitos detalhes.
Sei que os detalhes não importam para a maioria que veio até aqui “me” ler.

Essa deve ser a minha quarta tentativa de manter um blog.
Nenhum deles pretendia seguir uma linha restrita de texto.
Era, simplesmente, um espaço para que eu colocasse minhas visões sobre o que acontece ao redor e, se fica desatualizado, não é por falta de assunto.
Garanto que muitas situações que presencio se repetem constantemente na vida de todos.
O mundo é cíclico. Não há muita variedade, se analisarmos bem.

Ainda assim, ultimamente tenho pensado em um objetivo para essa página.
Seria informar? Falar sobre as notícias do mundo?
Comentar a pauta dos outros não é algo que eu ache interessante de fazer.
Seria escrever crônica? Ficção? Colunas culturais?

Decido, mais uma vez, não me enquadrar em nenhuma alternativa, por enquanto.
Tenho aqui uma página livre, minha, em branco, onde posso escrever o que quiser para quem quiser ler (inclusive, tenho dúvidas se alguém ainda lê).
Não quero um meio de autopromoção.

Comecei o texto com um trecho de detalhes porque vejo, por aí, muitos blogs que contam sobre seu dia, sobre os sabores dos seus sorvetes, sobre a sua programação. Lendo, não vejo a menor graça.
Acredito que a nossa vida tenha sentido para um pequeno universo de pessoas que nos cercam. Quando a informação ultrapassa esse universo, não faz sentido e banaliza, perde a importância.

Eu não quero banalizar momentos como os que eu tive hoje no almoço.
São eles que dão sabor às muitas histórias que temos para contar.

Talvez me falte a pretensão boba de querer ter o melhor blog da lista.
Talvez eu pudesse vir aqui mostrar que boa futura jornalista eu vou ser.
Só que tenho aprendido, na vida universitária, que posso mostrar o que sei fazer para aqueles que merecem saber, sem parecer pedante ou prepotente.

Enquanto isso, sigo escrevendo sobre tudo e para todos.
Esperando o momento certo chegar.



***

ps: em homenagem aos chuchus que a Vida me deu.

quarta-feira, 29 de outubro de 2008

Sob as luzes da fama

Não quis escrever sobre o seqüestro da menina de São Paulo. Agora que já passou um tempo, posso afirmar que ninguém mais fala tanto sobre isso.
Acabou. Já foi.
Não é mais novidade.

Não que seqüestros no Brasil possam figurar na categoria "novidades". Todos os dias, inúmeros casos semelhantes acontecem em muitos pontos do país, bem como por inúmeros motivos.
Também, não vamos dizer que essa foi a primeira rejeição amorosa que virou tragédia por aqui. Não sejamos bobos.

O que atraiu tanto, então?
O show.

Mas não quero falar sobre isso, também. Muitos já questionaram o papel da imprensa nesse caso específico e eu seria apenas mais uma voz no coro.

O que me intriga é o que há de errado em viver uma vida simples. Por que, afinal, as pessoas precisam de grandes tragédias ou grandes conquistas para se sentirem plenas?
As conquistas eu até entendo. Uma vida de objetivos prevê uma vitória no final.
Acontece que, na falta de perspectiva gloriosa, acredita-se que uma grande tristeza tem o seu valor.


Vivemos em uma sociedade que julga, mesmo sem poder para tal, não pelo que alguém é ou faz, mas pelo que parece ser ou fazer.
Não precisa cantar, tem estúdio que conserta a voz.
Não precisa saber escrever, tem gente que te ajuda na correção.
Não precisa ser bom para conseguir o tal emprego, basta na entrevista convencer de que é.

Se você parece, meio caminho andado para acreditarem que você é.

O espetáculo abre as portas para aquele que sofre, aquela que apanha do marido, aquele que é traído. Para a mãe que perdeu a filha, para a família que perdeu a casa na enchente.
Quinze minutos de fama.

Abanem e sorriam para as câmeras, por favor.

De quem é a culpa? Falta ética na mídia? Condenemos os jornalistas, oh, raça que se vale da tristeza alheia (raça a que quase pertenço, inclusive)?

Não.

O que vemos é reflexo dos interesses de um público que não planeja o futuro. Que não se imagina no topo por esforço.
Esse público compõe a parcela que mais consome esse tipo de entretenimento.
Um público que quer “sensacionalizar” uma vida comum, a ponto de achar que isso tudo valoriza a existência.

O que esperar de uma sociedade que faz da morte um acontecimento digno de milhares de visitantes? Onde estão esses visitantes quando o assunto é, realmente, de interesse público?

A vida anda tão complicada que a fama vem do lado inverso. São artistas pelo avesso. Atores de uma vida que, de tão normal, precisa de uma luz para ter graça.

O público não quer mais aplaudir e só.
Quer, a qualquer custo, fazer da vida um espetáculo.

Uma pena.

segunda-feira, 13 de outubro de 2008

Um tempo em silêncio

Minha família tem casa há 25 anos na praia de Bom Jesus, "um lugarzinho no meio do nada, com sabor de chocolate e cheiro de terra molhada".
O balneário fica entre Curumim e Arroio do Sal, dois municípios litorâneos que nem têm cara disso.
Os primeiros passos da Tatzie, minha irmã, foram lá, até onde lembro de terem me contado. Ela tinha 15 dias quando foi a primeira vez.
Eu vou desde sempre, também. Lógico.
Tenho fotos onde apareço engatinhando na areia, segurando a mão do meu avô enquanto espero a onda chegar, todas essas coisas.

Passei o fim de semana em Bom Jesus com a família. Choveu no sábado, o domingo estava meio frio, tudo descaracterizava o sentido de ir para a praia.
No entanto, não dava vontade de ir embora.

O silêncio de lá conforta.

De certa forma, meus ouvidos descansaram. O telefone tocava pouco, não haviam buzinas ou barulhos de acidentes.
Não houve discussão. Não houve discordância.
Só o silêncio, a calmaria, a brisa que vinha e batia no rosto.
O cheiro do mar...

Ultimamente, os dias andam tão cheios e tão corridos que não há tempo de se ficar em silêncio.
Aliás, as pessoas perdem inúmeras oportunidades de ficarem quietas. Talvez por acharem que devem falar automaticamente, talvez por incapacidade de não falar. Preferem passar mensagens medíocres, falar besteira, incomodar de alguma forma.

Bom Jesus me dá o silêncio de presente, onde minha mãe ouve o canto do bem-te-vi e eu ouço meus próprios pensamentos.

Quando passamos uma mensagem, existem várias partes envolvidas. Simplificando o caminho, teremos nós que a emitimos e aqueles que a receberão.
Portanto, quando falamos, escrevemos ou queremos nos expressar de alguma maneira, devemos imaginar as possíveis reações daqueles que receberão a informação.
Tudo é passível de interpretação.

Bom Jesus me permite uma autocomunicação. Não que eu fale sozinha e converse comigo mesma, mas eu sei que mensagem quero mandar para mim. Mais importante: sei como quero que EU entenda o que EU acabei de dizer.

O silêncio vale mais que mil palavras, nos diriam os clichês.
Sou obrigada a concordar.
O silêncio tem me preenchido.


Por mim, não teria voltado de Bom Jesus. Teria me refugiado em sua quietude.
Quero férias do barulho, das palavras e das falas desmedidas.


Infelizmente, não tem como. Isso tudo é o que temos para o momento.
Então, vou cuidar das palavras que uso, das opiniões que tenho, dos ouvidos que ouvem.


No fundo sei que sempre terei dois dias em Bom Jesus.

terça-feira, 30 de setembro de 2008

A nova-velha língua

Se você ler esse texto em até quatro anos, pode ser que eu esteja escrevendo em português correto.
Mas, caso passe de 31 de dezembro de 2012 - dia 1° de janeiro de 2013, por exemplo - é possível que eu tenha cometido alguns erros.
Desculpem, assinaram ontem uma lei que reforma a língua portuguesa e algumas regras foram extintas. Nem sei se vou utilizá-las nesse texto que acabei de começar a escrever, mas já quero garantir que não pensem que eu sou uma analfabeta.

Enquanto nos ambientamos com a nova escrita, sugiro que vocês planejem abrir uma gráfica ou uma editora. Ou os dois. Esses, sim, vão colher frutos.

Me disseram que a idéia é aproximar os países que falam português, unificando a língua.
Sempre achei que uma das graças do intercâmbio fosse, exatamente, o enriquecimento cultural, que pode se basear em aprender novos idiomas.
Aqui não. Preferem que os oito países escrevam no mesmo jeito. Pra que complicar? Pra que manter um fio de singularidade, de diferencial, de regra pra chamar de sua?
Vamos falar todos da mesma maneira! Todos em uma só voz!
Azar que a sonoridade é diferente. Azar que não pensamos da mesma maneira. Azar que não somos iguais.
A língua portuguesa quer ser universal.
Deixa ser.

**

Vou deixar aqui, então, um exemplo do que vai mudar. Vai ser assim:

"No saguão do aeroporto, passageiros não aguentavam mais a espera. Não tinham ideia de quando sairia o voo. Alguns deles creem que será logo, enquanto leem e trocam jornais e revistas. Foi quando ouviram falar que havia uma jiboia solta por ali. Em uma atitude heroica, um aventureiro consegue segurar a cobra e acaba com a gritaria. Teve quem julgasse a atitude antirreligiosa. 'Senti meus pelos arrepiarem', disse uma das testemunhas.
Entre os que esperavam o embarque, estava o contrarregra da novela das oito. 'Sempre enjoo em voos', comentou.
Nesse instante, a aeronave para na pista. Era hora de partir."

**

Minha mãe sempre diz que não gosta de pequenas preguiças. Não arrumar a cama, guardar a roupa, lavar a louça, por exemplo. Limpar a casa por cima, ir até metade do caminho, desistir por pouco, essas coisas.
Eu gosto dos acentos diferenciais.
Não usá-los seria uma pequena preguiça.

Agora é uma unificação.

As coisas mudam.

**


Sim, eu sou contra a reforma ortográfica.
Perdão.
Mas, fazer o quê?

sexta-feira, 19 de setembro de 2008

Liquidificador

A prefeitura municipal de Porto Alegre instalou, em julho, sinaleiras sonoras para auxiliar a travessia de pedestres com deficiência visual nas faixas de segurança. Uma fica na sinaleira do Centro, quase na esquina da calçada que dá acesso à estação de trem Mercado.

Muitas pessoas passam por essa faixa em direção ao trem, a todo o momento. No começo e no fim da tarde, então, o movimento potencializa incrivelmente.

Logo que foram instaladas, muitos se perguntaram para que servia aquele botãozinho, que não acelerava o processo do sinal e apitava assim que ficava verde para pedestre.

Naquele momento, pensei comigo: logo vai estar estragado. Todos, inclusive os que não possuem deficiência alguma, vão apertar o botão, reduzindo a vida útil do aparelho.
Pois hoje tive a prova. Influenciado pela pressa e pela falta de eduçação, vi um homem fazendo exatamente o que eu havia imaginado. Na rua, nenhum deficiente visual para ouvir os apitos constantes de aviso.

A sinaleira apitava para a falta de educação.

Dia 5 de outubro temos eleições municipais. Não tenho vergonha de assumir que ainda não sei em quem votar para vereador.
Não voto em Porto Alegre, mas o meio sempre me fez acompanhar mais os candidatos da capital.
Porto Alegre está em todos os veículos, lógico.

Não tenho candidato. Não vejo ninguém que me agrade tanto assim.
Queria alguém nem tão novo, nem tão velho. Não vejo coerência nessa juventude e nem eficiência nos que concorrem pela quadragésima sétima vez.

Estou com a impressão de que estão passando as informações em um liquidificador e me fazendo absorver.
É uma papinha eleitoral.
Eu consigo fazer um pout-pourri de todos os jingles dos candidatos a prefeitura canoense.

Tudo bem, eu ainda me interesso por política.
Quero ver se arranjo um candidato pra Câmara.

Me preocupa o cara que aperta o botão da sinaleira sonora só por apertar.
Ele consome a mesma papinha que eu.

A diferença é que, acredito eu, ele gosta assim.
Não dá trabalho nem gasta os dentes.
Daqui um tempo, ele vai ser um dos primeiros a reclamar, no aconchego da visão, que a política não presta, que o país está indo ladeira abaixo...
Estão nos criando uma zona confortável na falta de informação.
Difícil escapar dessa rede.





Enfim, o que eu quero falar?
Em terra de cego, quem tem olho vê cada coisa que nem acredita...

terça-feira, 9 de setembro de 2008

O susto

Semana passada, senti de novo o que há seis anos conheci.

O telefone tocou na hora do jantar. Comentamos em casa - eu, mãe e irmã - que só duas pessoas nos procuravam àquela hora. Ainda foi dito "que inconvenientes". Atendi e era minha tia, com uma voz assustada, querendo falar com minha mãe. Quase exatamente como em setembro de 2002. Não fossem os pequenos detalhes...

Minha avó estava passando mal. Naquela hora, minha mãe preparava o jantar com todo o cuidado, pensando em quem chega tarde do trabalho e no almoço do dia seguinte. Elas foram na frente, eu fiquei em casa pensando "não é nada". Seguia com o trabalho culinário quando o telefone tocou novamente, dessa vez mais assustado, mais gritado.
Não sei bem quanto tempo se passou. Fato é que cheguei lá e o medo bateu forte.

A única coisa que fiz foi segurar o cachorro. Parece tão inútil, não? Segurar o cachorro: eis a única objetividade da minha noite.
Eu não sabia o que fazer. Minha avó estava ali, tão pequena na cadeira, tão frágil e branca.

Parecia como há seis anos. Parecia no dia do meu avô.

Pensei, por dois segundos, que meu coração batia diferente, no entanto. Era um compasso assustado, amedrontado, mas confiante. Dessa vez, ele não tentava se conformar.
Eu sabia que nada ia acontecer. Uma certeza que não se explica.

Passado o temor, vendo dona Suely de pé, percebi novamente meu medo, minha impotência, minha resistência ao fim.
Começaram a me avisar que não somos imortais, mesmo que isso eu já soubesse.

Não é a morte que apavora, com ela já estamos acostumados. É o dia seguinte. É o vazio que toma conta.
É a bolha de ar que domina o peito.

Mais uma vez, sobrevivemos ao susto.
E esse detalhe é que cria um abismo com setembro de seis anos atrás...

Ainda bem.

quarta-feira, 30 de julho de 2008

"Love is all around"

O amor...
Ah, essa pedra no caminho.

Tudo vai bem, sua cabeça está centrada, seus planos futuros e individualistas estão começando a se concretizar e todo o tempo é seu.
Mas vem a vida e te desvia.

Nunca cheguei a falar bem sobre o que eu penso do amor. Acho que não gosto das definições existentes por aí.
Ainda assim, hoje acordei com uma frase na cabeça.

Diz ela: "Não amar é sofrer; amar é sofrer mais".
Pensei que o contrário também funciona. Acho que amar é sofrer, não amar é sofrer mais.

E explico!
Quando estamos sem amor, o que fazemos? Geralmente, nos arrumamos, saímos, conversamos, mudamos de estilo e de jeito de pentear. Mudamos tudo para, invariavelmente, encontrarmos um novo amor.
Ou canalizamos todo esse sentimento para alguma outra coisa, às vezes com pêlos e quatro patas, às vezes que engordam.

A verdade é que o amor está em tudo, está em toda a volta, está nos caçando como uma onça.

Assisti, pela quarta vez, "Closer" no sábado. Vi que as relações, no fundo, são estranhas. Quanto mais conhecemos alguém, mais achamos que conhecemos e, por isso, mais sabemos quando alguém estaria mentindo.
Só que nós não sabemos porque não queremos saber. Faltamos a aula do "Quando saber quando ele/ela mente para você". Isso acabaria com a graça. Nunca quisemos acreditar que nos mentiriam.
Então, cutucamos o outro até que ele nos diga uma verdade que nós não queremos ouvir, mas nunca descartamos a possibilidade de que ela exista.
É uma auto-mutilação.

Daí, na revolta contra as relações, ao achar que todos mentem, resolvi que ia assistir, pela quinta vez, "Simplesmente Amor".
Esse sim mostra que há esperança.
Quem estraga tudo somos nós, ao não nos sentirmos merecedores, ao achar que está tudo bem e que trair é só instinto, ao duvidar de que há, lá fora, aquela pessoa única que vai nos fazer mais feliz.

Porque sofremos sem amor da mesma maneira que sofremos amando.
É uma questão inerente ao ser.
Precisamos do outro para que saibamos para que serve essa angústia no peito.

E não há nada que possa ser feito.

Cartola diria:
"Preste atenção querida
De cada amor tu herdarás só o cinismo
Quando notares estás a beira do abismo
Abismo que cavaste com teus pés"

Azar, não é?
Não amar também é sofrer...

quarta-feira, 16 de julho de 2008

Novas vítimas

Existe um grupo com grande expressividade na nova geração. Já não é mais um estilo inovador, ganhou força e tem uma posição sólida entre os jovens. Aliás, espalham-se como se brotassem do chão dos shoppings das cidades.
Sim, estou falando dos emos.

Não estou aqui para explicar a origem do termo, das roupas ou seja lá do que eles absorvam como característica.
Hoje em dia, quase tudo o que existe pode ser definido como emo. Roupas com bolinhas, listras, pretas, vermelhas, verdes, amarelas e todas as combinações possíveis entre elas. Calças apertadas, tênis All Star, gravatas. Pulseiras grossas, lápis de olho, unhas escuras.
Não parece que nosso mundo foi roubado?

Eis que descobri que não posso condená-los. Descobri hoje, andando pela Rua da Praia, como alguém se torna emo.
Não, não, nada a ver com gostar de ouvir emotional hardcore, essa coisa melódica, enquanto pesada; pesada, embora melódica.

Um emo é criado por diversos setores e fatos que, misturados, fazem um adolescente querer chorar num canto escuro.
Basta ter acontecido algo na sua vida, naquela semana - ou até mesmo em um único dia - que lhe deixe tristonho. Briga com a mãe, morte do cachorro, amor impossível, inacabado ou que teve seu fim, nota ruim na escola ou ter batido o dedão do pé na quina da cama.
Basta um pequeno acontecimento que cause mágoa.

Em outras épocas, você ligaria para seus amigos. Mas hoje é tudo muito caro, as pessoas estão muito ocupadas, a violência é muito grande para ficar dando mole na rua.
Ninguém pode, quer ou tem tempo para ajudar.

E ali está você com seu coração vulnerável, andando sozinho pela multidão da Praça da Alfândega, ouvindo FM para ver se surge alguma voz.
Então, uma música começa a tocar. Uma só não, uma série delas!
São bandas formadas por jovens. Eles sabem como você se sente, sabem o que te dói, sabem que terão identificação com esse público se falarem sobre isso e, o mais importante, sabem que isso vende.

Ao ouvir essa música, você pensa: Finalmente! Achei alguém pra me entender!
Sim, jovem incompreendido. Eles juram que te entendem.
Juram, também, que as roupas que usam são as mais legais e que você deveria adotar esse estilo.
Vá lá! Corte o cabelo, faça uma franja, pinte o olho de preto.
No caminho, passe na frente de muitas lojas e veja como elas também estão explorando esse estilo.
Elas sabem, bem como as bandas, o grande público consumidor que têm à disposição.

E é assim que, de repente, surge um novo emo.
Ele olha ao redor e vê que outros fizeram o mesmo.
São todos iguais. Você não está mais sozinho!
Seu vulnerável coração tristonho e solitário tem, agora, muitos semelhantes.
Todos poderão ser felizes unidos na infelicidade coletiva, que não pode terminar.
Afinal, se pararem os motivos para chorar, que graça vai ter em ser tão emotivo?

Os emos são nada além de vítimas de uma sociedade que não compreende a dor adolescente.
As novas vítimas da opressão.

Eles poderiam fazer algo meio Woodstock, mas com roupa e sem lama.



**


Eu não tenho nada contra os emos.
Até ouço algumas dessas músicas.
Tenho o potencial, por assim dizer. Só não pretendo levá-lo adiante.

sexta-feira, 27 de junho de 2008

O espelho da caçula

Descobri que minha rotina em transportes públicos é minha grande inspiração no momento.
Cada trecho entre Canoas e a capital me faz pensar sobre algo diferente.

Pois estava eu na fila do ônibus para a faculdade quando presenciei aquela cena.

Havia, na fila ao lado, uma menina loirinha, de bochechas rosadas, quase sufocada em tantos casacos para suportar o forte frio daquela noite. Ela abraçava um senhor, que deduzi ser seu pai, e ele retribuia com reciprocidade absoluta.
Um passo atrás, uma menina mais alta, mais velha, já com bochechas não tão rosas.
Ela, então, abraça o mesmo senhor pelas costas, sendo que esse não tinha mais braços para retribuir o gesto, também.

Não precisei de muito para entender que ali estavam duas irmãs e seu pai.
A menorzinha, tão bonitinha em sua jaqueta rosa choque, era mais engraçadinha e carinhosa.
A mais velha, ao perceber estar de fora daquele momento, correu para fazer o que lhe parecia possível.

Não adiantou. A mais nova não saiu da frente do pai, que não conseguiu abraçar sua primogênita. Essa, por sua vez, desistiu e sentou-se no meio-fio.

Ali ficou, talvez pensando que crescer não é o melhor que pode haver. Queria voltar a ser a mais engraçadinha, quem sabe a única.
Foi quando a caçula sentou ao seu lado e a abraçou. Assim, da maneira mais espontânea que poderia ser.
Ficou sentada junto à irmã, olhando para ela e conversando, em um tom de imitação.

Penso que a mais velha não entendeu, ainda, o que significa ter nascido antes. Não viu o poder que tem sobre a menorzinha. Não vê como é bom olhar para ela pensando: já passei por tudo isso, querida. Já fui engraçadinha, bonitinha e bochechuda. Quero ver crescer e evoluir.

Ela ainda não havia percebido que a caçula se espelha nela, e que o fará por muito tempo na vida. Talvez para sempre.
E não percebeu por estar cega pelo medo de perder o abraço do pai, que ele só tenha braços para a outra.

Não entendeu que, com o nascimento da irmã, só ganhou dois braços a mais para abraçá-la.

quinta-feira, 19 de junho de 2008

Direto de outros tempos

Eu tinha um fotolog onde escrevia, praticamente, todos os dias.

Acho que tirava fotos na minha máquina digital e pensava: essa vai dar post.

Por um tempo, virou vício.

De repente, vi que tinha colocado imagens demais de pessoas que não mereciam, de fatos que não eram importantes, de festas que já tinham passado há muito tempo.
Percebi que não tinha motivo para publicar nada.
E passou um dia, dois, vários.
Passou muito tempo até hoje, quando tive que procurar um texto que me pediram.

Deu uma certa saudade e lembrei que escrevi boas coisas lá, até.
Resolvi republicar aqui, agora, o que eu achar mais legal lá.
Até parece que eu tenho uma grande produção para fazer isso.

Mas não quero deixar de postar aqui, como eu fiz lá, nem quero deixar eles caírem no esquecimento.

Aí vai o primeiro, que é curtinho já que esse foi explicativo.

**

O arco-íris


Arco-íris que apareceu na praia pra me alegrar.

Na verdade, ele me faz pensar.
Pensar em coisas que não tem começo nem fim definidos.No que aparece de vez em quando e some, sem deixar vestígio.
Pensar em oportunidades, amizades e amores que eu deixei passar por pensar que eles voltariam a surgir. E que não surgiram mais.
Pensar na relatividade do tempo, nas maravilhas da vida, por que os olhos resolveram enxergar só o que convinha.
Pensar como é vã a futilidade que se vive hoje quando, no fundo, tudo o que se espera é um momento como esse, quando se pode olhar pela janela e enxergar que quando o sol surge depois da chuva pode dar um arco-íris.
Quero mais magia nessa vida.
E mais vida na magia.

Quero o pote que se esconde no final do arco.


(19/03/2007)

quinta-feira, 12 de junho de 2008

Um dia a mais

O Dia dos Namorados surge a partir de São Valentim, bispo que foi contra a proibição do imperador Caldeus II de que fossem realizados casamentos em seu reino, a fim de criar um exército mais forte. O imperador acreditava que os jovens que não tivessem família se alistariam mais fácil. Valentim, no entanto, continuou a realizar as cerimônias em segredo. Ao ser descoberto, foi preso. Nesse período, recebia recados e presentes de jovens que diziam ainda acreditar no amor. O dia de São Valentim é comemorado em 14 de fevereiro. No Brasil, 12 de junho é Dia dos Namorados por ser véspera do dia de Santo Antônio, o nosso casamenteiro.

Simples assim.

De uns tempos para cá, o comércio se aproveita disso tudo para nos convencer, pobres amantes, de que devemos presentear nossos contemplados.
Nesse dia, especificamente.
Criam uma obrigatoriedade material entre os amados e uma sensação de indiferença entre os que não têm com quem, ou por que, trocar presentes.

Mas o tempo do amor, meus caros, não é o tempo do relógio.
Todos os dias seriam passíveis de presentes e de comemorações.
Não são necessários os corações voadores do shopping para que se lembre o quanto se ama.

Assim, cada mensagem de texto, ligação de longe, minuto de encontro são considerados grandes presentes.
Presentes, também, no sentido de tempo, de estarem acontecendo nesse momento.

Não vou aqui sucumbir ao clichê de dizer "amem todos os dias", ou "todo dia é dia de amar".
Não tenho autoridade nenhuma para explicar isso para quem está lendo.
Apenas digo que hoje não é um dia tão melhor que o outro.
Não deveríamos ter namorados por um dia.
Não saiam atrás de companhia para essa noite.
Não vale a pena.

Considerem-se amados todos os dias.
Considerem-se amados, hoje, um dia a mais.

Já diria Quintana, em Bilhete:

"Se tu me amas, ama-me baixinho
Não o grites de cima dos telhados
Deixa em paz os passarinhos
Deixa em paz a mim!
Se me queres,
enfim,
tem de ser bem devagarinho, Amada,
que a vida é breve, e o amor mais breve ainda..."


É um bom jeito de pensar, mesmo que adore quando alguém grita de cima de um telhado.


**

Feliz Dia dos Namorados para os colegas que se gostam, para os amigos que se curtem, para os que param no meio do centro, para os que almoçam juntos, para os que tem medo do que é e, mais ainda, do que pode vir a ser.

terça-feira, 27 de maio de 2008

Guerra é guerra

O trem aparece na curva dos trilhos.
Enquanto se aproxima com seus faróis fortes e o barulho que lembra um metal cortado, ou cortando, os que esperam andam um passo para frente.

"Não ultrapasse a linha amarela", diz a placa presa ao muro.

Passam os vagões.
Os olhos acompanham o caminho das portas, esperando que alguma pare logo em sua frente.
Há um lugar vago lá dentro.
Miragem!

A condução metálica pára. A entrada está ali, logo ali.
As pessoas se espremem frente ao vidro, montando uma espécie de barreira para os que esperam sair.
É guerra, ou algo muito próximo disso.
Abrem-se as portas e a manada sai em disparada rumo ao objetivo: aquele lugar vago.

Sentar. Como é bom sentar no trem.
Passar vinte e cinco minutos sentado.

Apenas um consegue.
Só cabe um!
Talvez, se aquela moça que está mais no canto fosse mais magra, coubessem dois. É isso o que passa na cabeça dos combatentes, embora não revelem.
Mas não. Cabe apenas um.
O vencedor.

E ele senta, ajeita o corpo com uma típica reboladinha.
Encosta sua lombar no assento vermelho, ainda quente devido ao último sobrevivente.
Encosta e olha ao redor, observa todos os que ficaram de pé.

Em sua face, o visível ar de vitória, o claro sorriso no canto da boca e o olhar alto, como quem diz:

"Eu senteeeei, vocês nããão!"

Um típico grito infantil, que irrita os perdedores desde sempre.
Perdedores esses que, como urubus, esperam por uma nova oportunidade enquanto agarram-se a sua única possibilidade, materializada em longos canos gelados.


***


...o trem é um zoológico, um circo, um parque. É, praticamente, um Beto Carrero World que eu freqüento todos os dias.
(claro que as outras pessoas devem pensar a mesma coisa e me colocar junto. ninguém está livre!)

quarta-feira, 21 de maio de 2008

A escuta que não ouvia

Na hora de dormir, um dia desses, minha irmã voltou a comentar uma história antiga comigo.

Quando eu tinha uns cinco anos, mais ou menos, já estava patinando.
Meu professor me corrigia porque eu girava para um outro lado.
Minha mãe começou a reclamar porque eu estava vendo televisão com um volume muito alto, e muito de perto.

E eu nem entendia muito o porquê de tudo aquilo.

Foi quando minha irmã foi ao médico porque tinha problemas respiratórios, se eu não me engano.
Eu fui junto.
O doutor perguntou "e essa aqui, como está?". Minha mãe respondeu falando sobre o volume da televisão.
Ao examinar meus ouvidos, parece que o médico até se assustou.

Não vou saber descrever o que era meu tímpano naquele momento.
Sei que eu estava com 55% da audição prejudicada.
Mais um pouco e aquela otite me levava à um tanto de surdez.

Problemas no ouvido prejudicam o equilíbrio, também.
Por isso eu girava pro lado errado. Eu ia para onde conseguisse.
Sempre soube que a culpa não era minha.

Depois de duas cirurgias, drenos e tampões para poder tomar banho de mar, aqui estou eu, ouvindo plenamente.

No dia em que a minha irmã comentou disso, me dei conta de muitas coisas.
Quando parei de patinar, eu fazia os melhores "currupios" da minha categoria.
Tinha uma facilidade incrível para girar.

O tempo foi passando, eu entrei na faculdade de jornalismo e meu segundo estágio é na rádio-escuta.

Hoje, eu passo ouvindo rádio quatro horas por dia.
Quatro horas de programação.
Meu trabalho depende do quanto eu ouço.

Logo eu, que ouvia só um pouco mais de 40% das coisas.

A ironia do destino sempre me surpreende.

***

- Hoje tu ouve muito bem, né Aloha? Que doidera.
- Sim, eu ouço tudo. Ouço até bem mais do que eu queria.

...e as risadas pararam para que as duas pudessem dormir.

terça-feira, 20 de maio de 2008

A parede do banco

Eram colegas e passavam por um momento difícil, ou nem tanto.
A situação era favorável, portanto.

Ela tinha acabado de ver seu relacionamento chegar ao fim. Tudo bem que não era nada tão sólido, mas não era bom chegar a um fim definitivo.
Ele estava em dúvida sobre o que queria nessa questão. Era uma história difícil, a dele. Parecia que não ia dar certo.

Ela resolveu mudar um pouco. Passou a pintar as unhas de vermelho e a ir em outro tipo de festa. Passou, também, a conversar mais com aquele colega, que parecia ser tão seu amigo.
Ele seguia sendo o colega que parecia ser tão amigo dela, e pensava a mesma coisa.

Chegou o dia de uma festa muito esperada. Uma hora antes de sair, ela decidiu não ir. Contaram para ele, que ligou e disse "vai!".

Bem, ela foi.
Foi e gostou muito.
Foi e se aproximou mais ainda de seu colega.

Falavam-se mais fora da aula, agora.
Eram mais amigos, criando aquela desculpa confortável de que, sendo tão amigos, não seriam nada além.

Na volta de um feriado de novembro, passados alguns dias, ela precisaria ir no trabalho dele. E avisou.
Marcaram, então, de almoçar no centro da cidade.
O nervosismo tomava conta dela, como se fosse lógico o que ia acontecer, mas não devia ser lógico.
Ele estava sem ação, reação, sabe-se lá o quê.

Na saída do almoço, no entando, ele disse estar passando mal.
"Só falta ele desmaiar no meio desse chão sujo", foi o pensamento dela, que sugeriu, então, que parassem um pouco na sombra. Era um dia quente.

Ele se escorou em uma parede de banco, de onde saia um sopro gelado de ar-condicionado.
Então, pediu um abraço. E ganhou.
Pediu outro e se aproveitou da proximidade do rosto dela. Beijou a menina afinal.

Depois daquele dia, depois da parede do banco, se viram de novo.
E quando se viram de novo, quiseram se ver mais uma vez.
E outra, e outra, e quanto mais se viam, mais vezes queria se ver.

Assim, um dia, estavam jantando.
O nervosismo que tomou aquela mesa os fez lembrar daquele primeiro almoço.
Não sabiam para onde ir, nem que decisões queriam tomar.

Falaram coisas sem sentido, mas que deviam ser lidas nas entrelinhas. Sentiam medo, vontade, ciúme.

Na hora de ir embora, no entanto, ele disse que tinha medo de pedir algo e ela responder que não. E ela disse que não podia falar em hipóteses, pois se respondesse que sim tinha medo que a pergunta não fosse séria.

Malditos paradoxos que os rodeavam.

Atravessaram a rua e ele pediu um abraço. Ela já sabia que coisas poderiam vir daqueles abraços.
"E se não fosse em hipótese?"
Essa pergunta marcou aquela noite, e deu rumo para os próximos meses.
Se não era hipótese, sim, a resposta era sim.

E esse é o fim da história de um começo, ou do começo de uma história.

Desde aquele dia, se vêem mais, se falam mais, e contam mais tudo isso por aí.
A diferença? Falam com brilho e certeza no olhar...

***

- Você nunca escreveu sobre isso, né?
- Não, ainda não.



Até hoje.

quinta-feira, 15 de maio de 2008

Foi naquela valsa...

Eu gosto de histórias de amor.
Me fazem pensar que tudo é mais possível, que não é só em filme ou novela.
Até acredito que a arte imita a vida mesmo.

Eles estavam no salão do baile. Ela tinha 16 anos e, na verdade, queria dançar com um rapaz mais alto.
Mas quando começou a tocar aquela valsa, ele não estava disponível.
Foi quando avistou um baixinho de 22 anos que olhava para ela.
Ela pensou, então, "ah, vai ser com esse mesmo. Não posso perder essa valsa."

E, depois daquele dia, ficaram juntos.
Casaram, tiveram filhos, viram nascer as netas.
Compraram uma casa. Viram a construção da casa da praia.
Foram companheiros por 52 anos, até que ele dormiu.

Porque foi assim a despedida do baixinho.
Ele foi dormir.
Ela ficou acordada.

E é acordada que ela fala sobre ele, ou conta essa história sempre que ouve a sua música.

- Foi naquela valsa que eu aceitei o convite. E a gente seguiu dançando por 52 anos - diz.

Ela é minha avó. O baixinho é meu avô.

O casal mais bonito que eu já vi e as pessoas que mais me ensinaram nesse mundo.


Bonita história, né?
Nem que eu escrevesse mil vezes, conseguiria contar da maneira certa.

segunda-feira, 12 de maio de 2008

Sem querer

Minha mãe engravidou de mim por acidente.
O casamento não ia muito bem e, quando ela viu, lá estava eu na barriga.

Então, ela se apavorou.
Eu imagino.
Já tinha a minha irmã na história. Não era o momento de começar tudo de novo.
Mas lá estava eu.
Para minha mãe, restavam poucas opções.

Até que uma senhora, dessas que sabem das coisas, ou vêem as coisas, disse para ela:
- Dependendo o jeito que você vai aceitar essa gravidez, essa criança pode ser sua grande companheira.

Quando descobriram que eu era menina, chegaram contando para minha irmã que "era de perereca" (que coisa mais engraçadinha...), e ela disse, decepcionada:
- Ah, eu queria de pirulito.

E eu nasci.

Meu aniversário é sempre perto do dia das mães. Uma semana depois, um pouco mais. Mas é sempre na mesma época.
Ontem foi dia das mães, sexta é meu aniversário.

Comecei a contar essa história porque lembrei que, das filhas da vó, minha mãe era a única que dizia que não ia ter filhos.
No entanto, foi a única que teve.

Há 24 anos minha irmã nasceu. Portanto, nesse tempo todo, acredito que minha mãe tem feito um bom trabalho.

As melhores coisas acontecem sem planejamento.
É na surpresa que está a graça.

Minha relação com minha mãe é a melhor possível.
Minha irmã nunca mais reclamou de eu ter nascido menina.

Nós somos muito ligadas.
E foi assim, sem querer.

Acho que temos nos saído bem, eu e minha mãe.
Mesmo sem ela ter esperado outra filha depois da minha irmã.
Mesmo sem eu ter nascido com pirulito.

No fim, deu tudo certo.

sexta-feira, 9 de maio de 2008

O padre que coloriu o céu

Muitas pessoas nutrem o desejo de voar, mas não das maneiras convencionais. Queriam ter a possibilidade de levantar vôo por si só. Sair voando, por que não? Talvez essa fosse a vontade do padre Adelir Carli. Acontece que ele usou de meios nada convencionais para cumprir sua meta, e sumiu.

Imagine-se pendurado por mil balões de gás, partindo de solo firme, indo para longe. Essa era a meta de Adelir, e não podemos condená-lo. A questão é até onde devemos nos deixar levar pelo que almejamos. O padre, quando questionado, disse que não haveria problema com o mau tempo, pois voaria acima das nuvens. Não tardou para que os problemas surgissem e se concretizasse a desgraça anunciada. Até agora, ele está desaparecido, junto de um equipamento que não parece ter servido muito. Mas parte dos balões, que serviram de asas para o padre, foram encontrados boiando no mar, como aqueles jogados no canto de um fim de festa.

Sonhos são importantes e, com certeza, devemos tentar realizá-los. Mas onde se confundiu sonho e responsabilidade na cabeça do padre? Nossos atos impensados, ou não tão bem calculados, têm consequências, muitas vezes, desastrosas. No entanto, o padre, ao se ver longe do chão, teve esperança de que daria certo. E quem o viu subir presenciou Adelir colorindo o céu com seus balões.




* texto da G1 de Redação para Comunicação, elogiado pelo melhor professor.

terça-feira, 6 de maio de 2008

Soprando as velinhas

O inverno também traz o meu aniversário.
Eu adoro comemorar.
Desde criança eu sempre gostei de festas de aniversário.

Mas o inverno me deixa melancólica e nostálgica. Então, fui ver os vídeos das minhas festas infantis.

Não me importo de envelhecer. Eu comemoro a vida.
Acho justo, depois de tudo o que fazemos, nos acrescentarem mais um ano.
Mais um, menos um. Seja lá como for.
Tudo tem conseqüência, e a nossa é envelhecer a cada ano em que fazemos tudo o que fazemos.

Enfim, eu gosto de aniversários.
Mas eles têm perdido um pouco a graça.

Assistindo aos vídeos, vi o que mudou nas comemorações. Quando eu era criança, mal falava com os convidados. Acho que não conhecia metade daquelas crianças direito. O tempo vai passando e a gente vai ajudando a fazer a lista, o que facilita muito.
Hoje eu curto mais minhas festas, arrumo a decoração, recebo as pessoas, nem me importa tanto os presentes.

Uma coisa só me tocou muito naqueles vídeos.
Antes, eu não alcançava a mesa do bolo.
Não conseguia soprar as velas.

Minha mãe, então, me pegava no colo. Me fazia bater palmas junto. Me ajudava a soprar.

Faço 21 anos em dez dias.
Eu nem caibo mais no colo da minha mãe. Ela nem tem força para me levantar.
Nunca mais.

Eu não me importo em envelhecer, nem com as responsabilidades que a idade traz.
Mas queria que, naquela hora, ainda pudessem me levantar no colo.
Eu regrido em toda hora de parabéns para mim.

Ontem, vendo os vídeos, me dei conta disso. Ninguém mais vai poder me levantar no colo para que eu alcance o bolo.
Eu alcanço sozinha.
O bolo é mais baixo do que eu.

Essa é a única melancolia no meu aniversário.
A certeza de que vou seguir sozinha soprando as velinhas.

Invernando

Eu adoro o inverno.
Nele eu posso praticar toda a minha preguiça, embora não em sua totalidade, ou da forma que eu mais desejo.

Nessa estação eu fico mais melancólica, mais quietinha, mais amável.
Eu gosto do meu cobertor e atualizo a minha lista de filmes para ver.

Tenho até feito gente se acalmar com esse meu pensamento.
Convenço de que ficar em casa, no quentinho do sofá, é o melhor a ser feito.
Descobri que tenho grande poder de persuasão.

***

Essa minha preguiça me ajudou a desenvolver técnicas para conviver com ela.
Teve uma época em que eu sabia onde a porta do trem ia parar. Se eu estivesse bem na porta, havia mais chances de eu conseguir sentar.
Ao mesmo tempo, sempre tive horror de quem dormia no trem.

Um dia desses, entrei no vagão e tinha um grupo de mulheres. Era domingo, trem vazio, tinha lugar para todo mundo. Elas bebiam guaraná e falavam alto. Eis que uma tira o celular da bolsa e começa a tocar as suas músicas preferidas, ou funks frenéticos, como preferirem.
Ela dançava aquilo que a Mulher Melancia ensinou na televisão. Mas sentada.
O senhor que estava sentado ao seu lado estava visivelmente sem jeito. Um outro já ria.
Na minha frente, no assento especial, havia um rapaz com sérios sinais de esquizofrenia. Ele falava sozinho, olhava para o nada. Ou estava só pensando alto, não sei.
Sei que, do nada, ele também começou a dançar sentado.
E lá estávamos eu, a dançarina do trem e o esquizofrênico dividindo a mesma preguiça de ficar em pé no vagão.
E ouvindo o mesmo funk.

A realidade é bem mais engraçada do que se imagina.

Notas

Algumas pessoas andaram lendo meus textos.
Acho isso muito bom, inclusive.

Tenho algumas novas idéias e pretendo colocá-las em prática.
A primeira é que nem sempre vou escrever textos grandes, mas pequenas notas.
Pensamentos soltos.

A segunda é que vou começar uma série de textos sobre pessoas específicas. Ainda não decidi se vou manter os nomes ou vou inventar pseudônimos. Ou vou fazer os dois.
Isso eu ainda não sei.

Mas é tudo o que tenho a dizer. O importante não é o tamanho do texto, mas o que está escrito.

Leiam!

segunda-feira, 14 de abril de 2008

O atraso

Eu nasci na época errada.
Fato. Fato quase comprovado cientificamente.
Eu não acredito que me atrasei para chegar.

Olho em volta e vejo o mundo em que me encontro. Vejo a vida que levo e para onde tudo o que eu faço está me encaminhando. Vejo as horas passarem, não comigo e sim por mim. Assim, me passam na frente, me escapam entre os dedos como a água fria da torneira.
Vejo as estações do ano se confundindo sem saber se devem ser quentes ou frias.
E as pessoas igualmente confusas sem saber se devem ser quentes ou frias. Boas ou más. Santas ou pecadoras.
Por mim, passam as novidades que já ultrapassam todas as recém lançadas.
E as notícias que repercutem não têm quase relevância, enquanto que os assuntos que dominam as minhas rodas são os mais inúteis.

Sinto saudade do que eu não vivi.
Invejo tudo o que me contam sobre um tempo que não é meu, e que nunca poderá ser.

Houve um período de menos conformismo, de medos mais consistentes, de lutas mais dignas.
Aliás, um período de dignidade.
Um lugar onde se comprava com menos dinheiro, onde se esquentava com menos roupa, onde as compras duravam e não precisavam ser postas fora.
Onde nem tudo era esteriotipado. A mistura é que dava o tom.
Os grupos se formavam naturalmente e não por necessidade de pertencimento. E mais! Quem fazia parte não precisava ter pensamento, roupa e fala igual. Havia mais elasticidade na aceitação.
E a ironia era pensada não como máscara para insegurança. Não era usada pelos maus, ou para fazer mal. Era uma prova de inteligência entender uma ironia. Era para ultrapassar barreiras. Era para sobreviver.
Podia-se chamar algo de questão ética. Havia ética!
Hoje uma palavra perdida em algumas cabeças confusas.
Será que tenho?Será que devo ter?

Eu queria poder sair na rua sem pensar que algo ruim vai acontecer. Eu queria poder entrar numa estrada e pensar que ela vai ter um trânsito fluente de carros. Queria chegar na minha casa de praia e ver o velho muro pequeno, com um portão fácil de abrir, sem alarme.

Me aprisionaram em uma época que não me pertence.

Não entendo porque a mentalidade humana regrediu. Vejo uma geração sem motivos para estar cansada. Ninguém nos repreende de verdade. Podemos falar mais, escrever mais, saber mais. Ainda assim, o que se vê, lê e ouve hoje é a prova da fadiga mental.

Paramos no tempo ao achar que éramos espertos demais e estávamos evoluindo.

Agora ninguém sabe o que é, o que quer, aonde vai. Só se vê o tempo passando, de longe da janela para não correr perigo. Perigo de doença, de morte, de vida, de frio.
Tudo se perdeu.

E eu, logo eu, que era tão certa nos horários, me descubro atrasada para os compromissos, atrasada nas idéias, atrasada nas visitas.
Descubro, então, que o motivo é lógico.
Atrasei na hora de nascer.
Vivo correndo atrás do prejuízo.

sábado, 5 de abril de 2008

Constatação

"Tempo, tempo, mano velho, falta um tanto ainda, eu sei, pra você correr macio..."

Essa frase é parte de uma música do Pato Fu, que eu ouvia há dez anos. Na época, eu achava que entendia. Hoje eu sei que não. Não sei se algum dia vou entender, de verdade, qual a realidade do tempo.

Estou aqui, em uma manhã de sábado, trabalhando. Excepcionalmente, claro. Hoje era meu dia no rodízio de plantões.
Pois bem, a primeira hora passou. A segunda hora também. Mas agora, na terceira, os minutos no relógio digital do canto da tela parecem não passar. Ou eu que estou olhando muitas vezes, em um curto intervalo.
Não sei. Eu nunca vou entender porque o tempo é, assim, tão incontrolável.

É aquela velha história de dez segundos serem muito ou pouco. É pouco, a princípio. Mas segurando um cubo de gelo na mão é uma eternidade.
Tudo depende.

Depende do humor, da ocupação, da pressa.
O tempo é como um apelido que não gostamos. Sempre ao contrário do que queremos. Quando não gostamos de um jeito de nos chamarem, aí sim nos chamam.
Assim é quando estamos com pressa e o tempo corre tanto quanto nossas pernas. E quando queremos ir logo embora, ele parece ter sido esticado como uma corda.

Dizem que se quer que alguma coisa seja feita, dê para alguém que tenha muito o que fazer.
Pode ser. Não tenho conseguido organizar muito bem meus dias, mas corro e faço, em poucos momentos livres, tudo o que vou arranjando durante o dia.

Vi um pessoal do meu antigo colégio e me deu uma certa nostalgia dos tempos de uniforme.
Algo como estudar só pela manhã e ter dois turnos para fazer todo o resto. E o resto não era muito.

Agora, trabalho e estudo. Me sobra pouco tempo para o resto, e o resto que eu pretendia agora cresceu muito. As relações são de proporcionalidade inversa.
Irritante e ao mesmo tempo gratificante.

Passaram dez anos desde que eu ouvia aquela música.
Hoje já vou entendendo mais quando ela diz que falta um tanto para ele correr macio.
Sabe-se lá quando alcançaremos essa façanha de ver o tempo passar com calma. Sem preocupações. Vê-lo correndo macio como criança no gramado. Aquela que não tem que correr para grandes compromissos.

Falta tempo para o tempo.
Porque cada um passa de um jeito.
Cada pessoa tem o seu.

Só sei que aqui os minutos vão passando. Aos poucos, mas vão.
Pelo menos eu estou vendo como passa, melhor do que perdê-lo de vista.

No fim daquela música ela diz "tempo amigo, seja legal. Conto contigo pela madrugada. Só me derrube no final".

Antes que o tempo resolva acabar, melhor parar de reclamar dele.

segunda-feira, 31 de março de 2008

Nunca fui roubada

No sábado à noite, passei a fazer parte das estatísticas.
Explico. Era uma noite boa, havia um grande motivo para sair. Resolvi ir de carro, assim poderia voltar e dormir em casa sem incomodar ninguém ao pedir que se deslocasse para me buscar. Foi para isso que fiz auto-escola, para que pudesse me locomover sem grandes dependências. É pra isso que minha família mantém seus carros. Até onde eu sei, é para isso que eles servem.
Enfim, estava sendo uma noite boa, mas algo me tocava no fundo do pensamento.
Talvez chemem de pressentimento, intuição, ou qualquer coisa que nos remeta a um saber não-evidente.
No entanto, não era. Eu sei que não era.
Era medo mesmo. Era a certeza da insegurança e de eu não ter deixado o carro em um local tão seguro quanto eu estou acostumada.
Nunca me incomodo de pagar os preços, por muitas vezes abusivos, desses estacionamentos particulares.
Tenho andado muito de trem, de ônibus, a pé. Quando meus trajetos são curtos, ou podem ser feitos por esses transportes, eu não penso duas vezes.
Mas naquela noite, vejam bem, não havia motivo para não ir de carro. Ou, ao menos, eu acreditava que não havia.
Eu vi a cara do menino que se dizia um dos guardadores não-oficiais, um desses que já fazem parte das entranhas da cidade.
Eu senti a maldade naquele olhar.
Eu vi e não tinha o que fazer.
Mas a noite, essa continuava boa, divertida, até porque era algo atípico nos meus dias. Não era uma noite comum.
Definitivamente.
A confirmação veio quando fui tentar entrar no carro e tive de forçar a porta. E entrei e percebi a ausência do aparelho de som. E, depois, quando finalmente entendi que a porta estava torta.

Nunca fui roubada, até sábado.
Eu fazia parte do número de pessoas que nunca tinham sofrido na pele o peso da impotência.
É essa a palavra: impotência. Saber o problema, ver o problema, ver o causador do problema, e não poder fazer nada.
Porque não há o que fazer, simplesmente.
Em um misto de raiva e alívio, comecei a agradecer por estar dentro do carro indo para a casa.
E, ao contar para todos a história, ouvi diversas vezes que dos males o menor. Não dá para facilitar. Uma hora ia acontecer.

Não sei por que, mas eu acreditava que não. Não ia acontecer, não comigo. No fundo, eu pensava que não tem que acontecer com todo mundo. Não pode ser tão ruim assim.
Mas é.

Devo me contentar em apenas perder um som. Podia ser pior. Podiam ter levado o carro, se não os assaltantes baratos, os que vissem a porta meio aberta. Podiam ter me rendido em um sinal qualquer, e nos levado junto. Podiam ter me apontado uma arma, como tem acontecido com tantas pessoas. Podiam ter me matado, como já aconteceu com outras tantas.
Me enoja o contentamento. A irritação que me causa essa conformação com o menor dos males me tira a paciência.
De nada adianta, mesmo assim. Devemos sofrer calados.

Embora toda essa situação, mesmo com toda a minha raiva do que aconteceu, mesmo com toda a estatística e a insegurança, eu ainda acredito que temos saída.
Devemos ter.
Às vezes acho que assistimos, sem saber, à morte da última esperança. Mesmo que ela fosse a última a ir embora...
Mas devemos ter uma saída.
Só espero que acendam logo as luzes que indiquem onde elas estão, e nos mostrem por onde ir.
Sim, acendam as luzes. As luzes de emergência. Porque se há saída, só a de emergência.
Mulheres e crianças primeiro. Saiam todos com calma.
Alguém ainda vai mostrar o caminho para voltar a segurança.

terça-feira, 29 de janeiro de 2008

Postando

* Tenho vinte minutos e me deu uma vontade enorme de escrever.
Não sei bem se tenho um assunto. Sei que tenho, ao menos virtualmente, uma página em branco.
Quero escrever agora pra não perder o fio de inspiração.
Primeiro texto do ano. Vamos ver.



Sempre me disseram que tudo muda enquanto é possível. Algo incontrolável, acredito.
Afinal, se mudam sem querer, é porque nós não conseguimos fazer parar.
Talvez aquela história de destino, de momento, de pensamento.
Fechar a porta mas sair pela janela, entrar pela janela, abrir a janela.
Seja lá o que queira ser feito com a tal janela.

Entendo isso cada vez melhor.
Entendo melhor de janelas agora.
Vejo que as portas enganam. Bom mesmo são as janelas.

Explico: sabem quando estamos vivendo uma situação que parece confortável, que acreditamos certa, que juramos que vai durar? Ou melhor, que juramos nos fazer bem? Sabem como é?
Isso é uma porta. É grande, é promissora, parece ser o caminho.
A porta parece ser o único meio de entrar, até que fecham.
Fecham a porta na nossa cara. Batem. Trancam com duas voltas na chave.

Nos fazem acreditar que perdemos o único meio de seguir em frente.
Perdemos por onde entrar e sair.

Aprendi uma vez que era feio pular a janela. Não é para isso que foi feita, afinal, a abertura na parede.
Foi feita para arejar, para iluminar, para abrir e fechar.

Agora, e cada vez mais, aprendo que quando me tiram a porta, eu devo procurar a janela.
Tenho que ter a perspicácia de pular.
Tenho que arriscar a janela. Colocar uma perna, depois a outra.

Parando para analisar, um prédio tem sempre mais janelas do que portas.
Viajando, então, em uma comparação quase infantil, a vida é um prédio.
São poucas as situações que, como portas, vão se abrir de maneira segura. Demoramos até acharmos essa facilidade de, simplesmente, passar pela porta.
E, tão logo abertas, se fecham. É muito vulnerável uma porta aberta.

Mas a janela? Deixa ela encostada, só.
Deixa entrar um ventinho.

Minhas mudanças atuais se devem ao incrível número de janelas que encontrei.
Do nada, vi raios de sol atravessando as persianas e revelando as tais aberturas na parede.

As portas só abrem e fecham. Mas a janela aberta dá luz, areja...Se fechada, impede o frio de incomodar.
Podemos controlar o quanto queremos da janela. Qual a importância que queremos dar a ela.
A vida melhora quando descobre-se como são essenciais, embora menores.

Cansei das portas.
Bom mesmo são as janelas.
Repito para confirmar.



* texto mais para não perder o hábito.