segunda-feira, 31 de março de 2008

Nunca fui roubada

No sábado à noite, passei a fazer parte das estatísticas.
Explico. Era uma noite boa, havia um grande motivo para sair. Resolvi ir de carro, assim poderia voltar e dormir em casa sem incomodar ninguém ao pedir que se deslocasse para me buscar. Foi para isso que fiz auto-escola, para que pudesse me locomover sem grandes dependências. É pra isso que minha família mantém seus carros. Até onde eu sei, é para isso que eles servem.
Enfim, estava sendo uma noite boa, mas algo me tocava no fundo do pensamento.
Talvez chemem de pressentimento, intuição, ou qualquer coisa que nos remeta a um saber não-evidente.
No entanto, não era. Eu sei que não era.
Era medo mesmo. Era a certeza da insegurança e de eu não ter deixado o carro em um local tão seguro quanto eu estou acostumada.
Nunca me incomodo de pagar os preços, por muitas vezes abusivos, desses estacionamentos particulares.
Tenho andado muito de trem, de ônibus, a pé. Quando meus trajetos são curtos, ou podem ser feitos por esses transportes, eu não penso duas vezes.
Mas naquela noite, vejam bem, não havia motivo para não ir de carro. Ou, ao menos, eu acreditava que não havia.
Eu vi a cara do menino que se dizia um dos guardadores não-oficiais, um desses que já fazem parte das entranhas da cidade.
Eu senti a maldade naquele olhar.
Eu vi e não tinha o que fazer.
Mas a noite, essa continuava boa, divertida, até porque era algo atípico nos meus dias. Não era uma noite comum.
Definitivamente.
A confirmação veio quando fui tentar entrar no carro e tive de forçar a porta. E entrei e percebi a ausência do aparelho de som. E, depois, quando finalmente entendi que a porta estava torta.

Nunca fui roubada, até sábado.
Eu fazia parte do número de pessoas que nunca tinham sofrido na pele o peso da impotência.
É essa a palavra: impotência. Saber o problema, ver o problema, ver o causador do problema, e não poder fazer nada.
Porque não há o que fazer, simplesmente.
Em um misto de raiva e alívio, comecei a agradecer por estar dentro do carro indo para a casa.
E, ao contar para todos a história, ouvi diversas vezes que dos males o menor. Não dá para facilitar. Uma hora ia acontecer.

Não sei por que, mas eu acreditava que não. Não ia acontecer, não comigo. No fundo, eu pensava que não tem que acontecer com todo mundo. Não pode ser tão ruim assim.
Mas é.

Devo me contentar em apenas perder um som. Podia ser pior. Podiam ter levado o carro, se não os assaltantes baratos, os que vissem a porta meio aberta. Podiam ter me rendido em um sinal qualquer, e nos levado junto. Podiam ter me apontado uma arma, como tem acontecido com tantas pessoas. Podiam ter me matado, como já aconteceu com outras tantas.
Me enoja o contentamento. A irritação que me causa essa conformação com o menor dos males me tira a paciência.
De nada adianta, mesmo assim. Devemos sofrer calados.

Embora toda essa situação, mesmo com toda a minha raiva do que aconteceu, mesmo com toda a estatística e a insegurança, eu ainda acredito que temos saída.
Devemos ter.
Às vezes acho que assistimos, sem saber, à morte da última esperança. Mesmo que ela fosse a última a ir embora...
Mas devemos ter uma saída.
Só espero que acendam logo as luzes que indiquem onde elas estão, e nos mostrem por onde ir.
Sim, acendam as luzes. As luzes de emergência. Porque se há saída, só a de emergência.
Mulheres e crianças primeiro. Saiam todos com calma.
Alguém ainda vai mostrar o caminho para voltar a segurança.