terça-feira, 30 de setembro de 2008

A nova-velha língua

Se você ler esse texto em até quatro anos, pode ser que eu esteja escrevendo em português correto.
Mas, caso passe de 31 de dezembro de 2012 - dia 1° de janeiro de 2013, por exemplo - é possível que eu tenha cometido alguns erros.
Desculpem, assinaram ontem uma lei que reforma a língua portuguesa e algumas regras foram extintas. Nem sei se vou utilizá-las nesse texto que acabei de começar a escrever, mas já quero garantir que não pensem que eu sou uma analfabeta.

Enquanto nos ambientamos com a nova escrita, sugiro que vocês planejem abrir uma gráfica ou uma editora. Ou os dois. Esses, sim, vão colher frutos.

Me disseram que a idéia é aproximar os países que falam português, unificando a língua.
Sempre achei que uma das graças do intercâmbio fosse, exatamente, o enriquecimento cultural, que pode se basear em aprender novos idiomas.
Aqui não. Preferem que os oito países escrevam no mesmo jeito. Pra que complicar? Pra que manter um fio de singularidade, de diferencial, de regra pra chamar de sua?
Vamos falar todos da mesma maneira! Todos em uma só voz!
Azar que a sonoridade é diferente. Azar que não pensamos da mesma maneira. Azar que não somos iguais.
A língua portuguesa quer ser universal.
Deixa ser.

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Vou deixar aqui, então, um exemplo do que vai mudar. Vai ser assim:

"No saguão do aeroporto, passageiros não aguentavam mais a espera. Não tinham ideia de quando sairia o voo. Alguns deles creem que será logo, enquanto leem e trocam jornais e revistas. Foi quando ouviram falar que havia uma jiboia solta por ali. Em uma atitude heroica, um aventureiro consegue segurar a cobra e acaba com a gritaria. Teve quem julgasse a atitude antirreligiosa. 'Senti meus pelos arrepiarem', disse uma das testemunhas.
Entre os que esperavam o embarque, estava o contrarregra da novela das oito. 'Sempre enjoo em voos', comentou.
Nesse instante, a aeronave para na pista. Era hora de partir."

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Minha mãe sempre diz que não gosta de pequenas preguiças. Não arrumar a cama, guardar a roupa, lavar a louça, por exemplo. Limpar a casa por cima, ir até metade do caminho, desistir por pouco, essas coisas.
Eu gosto dos acentos diferenciais.
Não usá-los seria uma pequena preguiça.

Agora é uma unificação.

As coisas mudam.

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Sim, eu sou contra a reforma ortográfica.
Perdão.
Mas, fazer o quê?

sexta-feira, 19 de setembro de 2008

Liquidificador

A prefeitura municipal de Porto Alegre instalou, em julho, sinaleiras sonoras para auxiliar a travessia de pedestres com deficiência visual nas faixas de segurança. Uma fica na sinaleira do Centro, quase na esquina da calçada que dá acesso à estação de trem Mercado.

Muitas pessoas passam por essa faixa em direção ao trem, a todo o momento. No começo e no fim da tarde, então, o movimento potencializa incrivelmente.

Logo que foram instaladas, muitos se perguntaram para que servia aquele botãozinho, que não acelerava o processo do sinal e apitava assim que ficava verde para pedestre.

Naquele momento, pensei comigo: logo vai estar estragado. Todos, inclusive os que não possuem deficiência alguma, vão apertar o botão, reduzindo a vida útil do aparelho.
Pois hoje tive a prova. Influenciado pela pressa e pela falta de eduçação, vi um homem fazendo exatamente o que eu havia imaginado. Na rua, nenhum deficiente visual para ouvir os apitos constantes de aviso.

A sinaleira apitava para a falta de educação.

Dia 5 de outubro temos eleições municipais. Não tenho vergonha de assumir que ainda não sei em quem votar para vereador.
Não voto em Porto Alegre, mas o meio sempre me fez acompanhar mais os candidatos da capital.
Porto Alegre está em todos os veículos, lógico.

Não tenho candidato. Não vejo ninguém que me agrade tanto assim.
Queria alguém nem tão novo, nem tão velho. Não vejo coerência nessa juventude e nem eficiência nos que concorrem pela quadragésima sétima vez.

Estou com a impressão de que estão passando as informações em um liquidificador e me fazendo absorver.
É uma papinha eleitoral.
Eu consigo fazer um pout-pourri de todos os jingles dos candidatos a prefeitura canoense.

Tudo bem, eu ainda me interesso por política.
Quero ver se arranjo um candidato pra Câmara.

Me preocupa o cara que aperta o botão da sinaleira sonora só por apertar.
Ele consome a mesma papinha que eu.

A diferença é que, acredito eu, ele gosta assim.
Não dá trabalho nem gasta os dentes.
Daqui um tempo, ele vai ser um dos primeiros a reclamar, no aconchego da visão, que a política não presta, que o país está indo ladeira abaixo...
Estão nos criando uma zona confortável na falta de informação.
Difícil escapar dessa rede.





Enfim, o que eu quero falar?
Em terra de cego, quem tem olho vê cada coisa que nem acredita...

terça-feira, 9 de setembro de 2008

O susto

Semana passada, senti de novo o que há seis anos conheci.

O telefone tocou na hora do jantar. Comentamos em casa - eu, mãe e irmã - que só duas pessoas nos procuravam àquela hora. Ainda foi dito "que inconvenientes". Atendi e era minha tia, com uma voz assustada, querendo falar com minha mãe. Quase exatamente como em setembro de 2002. Não fossem os pequenos detalhes...

Minha avó estava passando mal. Naquela hora, minha mãe preparava o jantar com todo o cuidado, pensando em quem chega tarde do trabalho e no almoço do dia seguinte. Elas foram na frente, eu fiquei em casa pensando "não é nada". Seguia com o trabalho culinário quando o telefone tocou novamente, dessa vez mais assustado, mais gritado.
Não sei bem quanto tempo se passou. Fato é que cheguei lá e o medo bateu forte.

A única coisa que fiz foi segurar o cachorro. Parece tão inútil, não? Segurar o cachorro: eis a única objetividade da minha noite.
Eu não sabia o que fazer. Minha avó estava ali, tão pequena na cadeira, tão frágil e branca.

Parecia como há seis anos. Parecia no dia do meu avô.

Pensei, por dois segundos, que meu coração batia diferente, no entanto. Era um compasso assustado, amedrontado, mas confiante. Dessa vez, ele não tentava se conformar.
Eu sabia que nada ia acontecer. Uma certeza que não se explica.

Passado o temor, vendo dona Suely de pé, percebi novamente meu medo, minha impotência, minha resistência ao fim.
Começaram a me avisar que não somos imortais, mesmo que isso eu já soubesse.

Não é a morte que apavora, com ela já estamos acostumados. É o dia seguinte. É o vazio que toma conta.
É a bolha de ar que domina o peito.

Mais uma vez, sobrevivemos ao susto.
E esse detalhe é que cria um abismo com setembro de seis anos atrás...

Ainda bem.