segunda-feira, 1 de junho de 2009

Automatização

Estava indo para a aula quando desci do ônibus e pensei: como foi que cheguei aqui?
Não lembrava bem do que vi pelo caminho de casa até a faculdade, usando dois transportes públicos em dois trechos diferentes do percurso. "Será que tranquei a porta? Será que entreguei a passagem?".
Foi triste a conclusão de que eu não havia pensado para chegar até lá. Eu, simplesmente, fui. Virei meu próprio piloto automático, aquele que todos desejavam ter no carro, que toma conta inclusive do volante.

Pensar que não penso é uma contradição assustadora.
Quer dizer, pensar eu penso. Eu planejo, executo, tenho idéias, eu raciocino afinal de contas. O que tenho sentido diferente é que estou vivendo, dia após dia, com pensamentos tão simétricos que nem parecem grande coisa. Ao mesmo tempo, não paro de imaginar o que preciso fazer para me tornar o que pretendo. Não paro de inventar o que pretender.

É uma geração onde não basta ser bom, tem que ser o melhor. Não basta estudar, tem que fazê-lo a vida toda. Tem que ter carisma, pró-atividade, disposição, responsabilidade, inovação, inteligência e, ainda, ser você mesmo.

Nessa linha de ser o que todos esperam ao mesmo tempo em que somos quem somos, criamos um clone robotizado que cumpre todas as tarefas e agrada constantemente. Uma espécie de esquizofrenia global que não nos deixa mais espaço pra saber o que vemos de verdade no mundo. É como se todos nos atendessem em call centers, com sotaques diferentes e sem resolver o problema de ninguém. Padrão social sem o menor vestígio de unidade.

Quis refletir sobre os amigos que tenho visto, os lugares que tenho visitado, os planos que tenho feito. Não consegui um saldo positivo sequer. Muitos dos meus amigos eu perdi e, para os que tento resgatar, não acho compatibilidade de agenda. Arranjei novos amigos que são um tanto quanto emprestados e que podem se ir quando acabar o momento. Não vou a lugares diferentes há tanto tempo que nem sei mais qual foi minha última grande descoberta turística. Não consigo nem visitar a serra direito. Fiz mil novos planos sem ter cumprido os prazos dos trezentos antigos. Ou seja, grande possibilidade de vê-los afundados em nada.

Se minha rotina se resumisse a papéis, como os dessa escrivaninha do computador onde escrevo, estaria tudo empilhado e jogado pelos cantos, com rascunhos e pensamentos soltos. Nada muito organizado, nada muito concreto.

Ver as fotos de realizações alheias não me causa inveja. Elas nunca causaram.
Afinal, gosto da minha vida como ela é. Ainda assim, acabo pensando que realmente existe um pouco de mediocridade num cotidiano sem grandes aventuras. Queria mesmo respirar novos e bons ares.

Talvez eu chegasse em um destino que me mostrasse que estar longe do que conhecemos pode ser pior. Que tudo vai dar certo onde eu estou e que não há com o que se preocupar.
Talvez eu queira um país de maravilhas, ser Alice por um dia, ver que seguir coelhos brancos pode me custar a cabeça no julgamento de uma rainha egocêntrica e que importa, sim, saber para onde eu quero e devo seguir.

Ando com tantas questões que daqui a pouco vou parecer um computador que, cheio de arquivos, começa a trancar.
E isso é irritante demais.





***

o pior é saber que as pessoas podem não considerar a liberdade de inspiração e pensar que esse texto é um desabafo deprimido. Não é!

Um comentário:

carlos eduardo disse...

poderia, como sempre, escolher várias frases. mas escolhi uma, que me prendeu por 30 seg com vários pensamentos, reflexões e interpretações. "Não paro de inventar o que pretender."

Essa frase diz um pouco de tudo sobre todos. Fico feliz que é visivel a olho nu, convivendo e observando os detalhes, que você tem um norte mais magnetizado, por mais que às vezes, olhando para o espelho, não vemos o que os outros que, como surfistas, conseguem analisar e 'prever' qual é a melhor onda.