quarta-feira, 28 de novembro de 2007

Exaustão

Não é incrível como as pessoas têm a mania de explorar uma mesma coisa até que ela se esgote?

É escândalo político, estilo musical, moda, filme, a traição de alguém próximo, a nova namorada do ex. Não importa! As pessoas falam, invariavelmente, de um mesmo assunto por dias!

Não sei pra vocês, mas, pra mim, as coisas vão perdendo o sentido quando ficam muito comuns.
Perdem seus motivos especiais, seus atrativos.

E estou eu, no centro de Porto Alegre, à tarde, ouvindo rádio nos fones de ouvido. Era um dia extremamente quente. O centro fica um inferno em dias muito quentes.
Precisava fazer compras, o que me impedia de fugir daquela caldeira.
Na rádio começa a tocar a trilha do filme "Tropa de Elite", música essa que leva o mesmo nome, e que foi lançada há uns cinco anos, se não muito me engano.
Troco de estação. Já tinha ouvido a mesma música em umas três estações diferentes pela manhã.
Em outra estação, toca a outra música da trilha. Um funk que também foi lançado há uns três ou quatro anos. E que eu também já tinha ouvido umas outras tantas vezes pela manhã.
Ao redor, as pessoas inserem em suas conversas vários "Pede pra sair!", "Você é um fanfarrão!", "Traz o saco!", frases do Capitão Nascimento, personagem que só me fez gostar mais ainda do Wagner Moura.

Me revoltei.
Assim, a ocasião e o meio favoreciam. Lembrem que estava muito quente e eu não podia ir embora ainda.
Comecei a pensar que eu gostava dessas músicas quando elas foram lançadas. E que elas pararam de tocar, numa espécie de lei natural. Mas agora elas ressurgem e parece uma lavagem cerebral o que estão fazendo comigo!
Eu gostei muito do filme, também. Vi no cinema, inclusive. Adorei as expressões. Mas agora, aonde quer que eu vá, para onde quer que eu olhe, tem alguém falando igual.
Perdeu-se a personalidade, o direito de escolha, a crítica.
Todos agora são aspirantes do BOPE. Alguns já nasceram Capitão Nascimento. Não tem problema conhecer uma pessoa e esquecer o seu nome, chama ela de 02, ou 05, ou oseilaoque. Chama de "aspira"!

Eu acho o Wagner Moura um grande ator. Mas vejam bem, eu já achava antes! Há muito tempo! Antes de novela das oito, antes de ser "o cara do filme do ano".
E agora todo mundo gosta. Agora todo mundo canta funk e Tihuana. Agora todo mundo acha bonito.

Mas perdeu a graça pra mim, um pouco.
Já estou na fase de tudo precisar de um contexto especial para fazer sentido.
As brincadeiras devem ser poucas e espaçadas. As músicas só são boas se mixadas e uma vez por dia.

Estou me desintoxicando.

E pensando nisso, andando no centro, vejo que os problemas sociais não são tão comentados. É como se varrêssemos pro tapete. Se fossem tão discutidos quanto o que nos diverte, talvez a sua saturação trouxesse a solução.
Os próprios problemas do filme não são tratados com a seriedade que deviam. De verdade, aquilo acontece todos os dias. E não é pouca coisa!Não devia ser engraçadinho.

Mas é. É porque não parece valer a pena se preocupar com isso.
A exaustão do assunto nos deixa exaustos demais para tamanho estresse.

No meio de todo esse discurso politizado, que surgiu na minha cabeça naquele dia escaldante, aparece um palhaço em cima de suas pernas-de-pau, com um frango de borracha na mão.
E não gosto de palhaços. Acho estranho, tenho receio. E fui atacada por vários desses, em vários centros. Até no shopping já me atacaram, com um similar frango de borracha.

Enfim, o palhaço, naquela altura toda, pára na minha frente e bate na cabeça do frango dizendo: pede pra sair!Pede pra sair!

E eu ri.
Não tinha outra saída a não ser essa.
Não tem mais saída.

Esse mundo tá perdido, mesmo.
Que medo.


Conclusão: eu ainda gosto do filme, e veria de novo no cinema. Eu sei a letra de uma das músicas, a outra é muito difícil pra mim. Eu ainda acho o Wagner Moura muito bom ator. E eu não gosto mesmo de palhaços.

Já andei contando essa história por aí.
Publico para a posteridade, então.

segunda-feira, 12 de novembro de 2007

O Senhor das Flores Mágicas

Sempre tento encontrar, nos meus caminhos de trem, pessoas peculiares. Não digo estranhas. Ninguém precisa ser estranho para ser diferente. Mas elas trazem alguma coisa que chama a atenção, não sei por quê.

Pois esses dias, ao entrar no vagão, achei de cara o meu personagem. Era um senhorzinho que vende essas flores mágicas, feitas de papel colorido e presas em dois palitos de picolé. Quando abertos os palitos, elas começam a tomar forma. A princípio, parece um arco-íris. Depois viram bolinhas, até chegar ao formato de uma cabeça com chapéu.
Muito simples elas são. Um brinquedinho sem grandes atrativos. Certamente, em um ou dois dias a criança cansa dos mesmos formatos que a fita adquire. Não tem muita graça.

Enfim, esse senhorzinho estava sentado ao lado de um menino e mostrava para ele as várias formas para as fitas. Juntava mais de uma. Fazia com três! Criava movimento, situações, até um carrinho ele fez. O menino até estava atento, mas em alguns momentos ele olhava pra mãe como se dissesse: eu não quero isso. Quero meu Playstation 3 novinho, quero jogar no computador também. Isso é muito chato para a minha geração.

Mas o senhor seguia fazendo suas brincadeirinhas. E eu achando muito bonito toda aquela brincadeira manual, que me lembrava alguns dos meus passatempos favoritos da infância. Eu não tinha tudo isso que as crianças têm hoje em dia. Nem os brinquedos tecnológicos, nem a esperteza informatizada, nem os quilos a mais do sedentarismo. Eu corria na rua, pegava aquelas molas coloridas e passava de um lado ao outro. Eu fazia esporte. Eu tinha bonecas, brinquedos que me faziam pensar e que ativavam minha coordenação. E eu era muito feliz, sim.

Enquanto eu pensava isso, o senhor atende um celular com um ringtone bem moderno. Vi que ninguém estava livre do hiper-moderno. O senhor perdeu um pouco da magia e eu parei de observá-lo. Voltei a ouvir música nos meus fones de ouvido. Todo mundo anda se isolando no trem através dos fones. Eu não quero ficar sozinha, também.

O trem pára e entra um outro menino, praticamente, voando, acompanhado da mãe. Atropela todo mundo no vagão. O senhor, então, se levanta oferecendo seu lugar para mãe e filho. O garotinho aceita, feliz, para ficar de pé em cima do banco. E o senhor, de pé no vagão, na minha frente.

Ele mexe nas flores. Eu olho sorrindo. Ele começa a conversar comigo, contando que aquilo é arte inventada para acalmar as crianças, mas que as pessoas não valorizam a arte.
E eu prestei atenção, de verdade. Conversei com o senhor e fui vendo a magia ser recuperada. Ele me contando histórias de sua vida, em pouco tempo, e eu ouvindo, com os fones de ouvido já pendurados no pescoço.

O senhorzinho tinha razão. Falta calma para as crianças. Falta valorização da arte. Falta que a educação que ele tinha fosse dada para aquele menino voador.

Mas a última estação se aproximou, e o trem parou.
Nós descemos. A vida segue.
Eu levando a magia que ele tinha me passado. Ele indo levar mais para os outros.

Ele pode até ter se rendido às tecnologias da telefonia móvel. Mas a essência segue intacta.
E isso, felizmente, não se compra por aí.